quarta-feira, 18 de junho de 2014

Fim da Festa



"Vamo beber, pois é festa! Hoje é copa, amanhã feriado, depois é sexta, e sexta é sexta, depois já é fim-de-semana mesmo, e depois o Brasil jogo de novo na copa!!!...."


Esse tipo de declaração, típica do ser humano, mais ainda do brasileiro, revela muito quem realmente somos. E o tom de aparente brincadeira ou piada através do qual ela é dita escamoteia mais ainda nossa indulgente maneira conosco mesmos em não querer nos encarar o pior lado de nossa cultura: o da preguiça, da falta de vontade, da nosso estar-perdido, do desperdício de energia com futilidades etc.

Eu não quero parecer um dito "careta", apenas acho que os analtecedores do lema "a vida é uma (constante) festa" são tão canalhas, improdutivos, negativos quanto àqueles que prezam pela ordem, pelos bons constumes, família, moral e outras medidas disciplinatórias.

Me parece que tal negação de qualquer ação no sentido de "vamos beber" ou de um "relaxar" cético teve uma última versão nos anos de 1960 e 70 no ocidente de uma liberalização, contracultura e um tipo de protesto a favor da rejuvenização da cultura; aquele do Rock'n Roll, dos cabelos longos, dos Hippies, dos misticismos anacronizadores do new age, das drogas como meio de alterar a percepação ou ainda como meio de aumento da creatividade. Tudo isso foi bom e cumpriu seu papel na liberalização da sociedade ocidental de muitas morais; mas aquilo que era rejuvenecedor, envelheceu, saiu de contexto, virou uma fantasmagoria de uma irresponsabilidade generalizada, do desespero diante de si próprio, do avassalador ímpeto de individualidade original.

Como eu disse, eu não quero ser o "careta". O quê realmente me espanta e pertuba é como esse tom de festa nos arrasta para um nada sem se tornar um niilismo, ou seja, sem se transformar em uma força realmente destrutiva (se tratando de cultura), nem produtiva (no sentido de um eficaz forma de negação trabalhada e optimizada em forma de arte, ciência ou de uma nova moral). Todo o potencial desta negação nunca se torna uma outra afirmação, nunca alcança outros corações, não mede forças com deuses ou gigantes, nem protesta contra instituição alguma, muito menos sacode seres paralisados em suas aprisionadoras vidas. se torna apenas uma privatização do protesto, o quê é pior do quê a resignação - essa pela menos nos liberta do medo de morrer.

Nós gritamos, protestamos e xingamos contra nossos trabalhos, e nos agarramos em teorias e discursos envelhecidos para isso, porque na verdade não enxergamos um potencial verdadeiro no trabalho para além de obrigação de manter um corpo sem vida sobrevivendo e também para além de riqueza pessoal; não são nossos trabalhos que são ruins, nós que não nos acostumamos com a idéia de trabalho, nem o transformamos em favor de nossas necessidades e sonhos; o problema não são os trabalhos e profissões, mas sim nós mesmos que no fim só esperamos pelas sextas-feira, pelos (já numerosos) feriados, pelas férias, pela aposentadoria e no fim pelo último feriado ou dia livre da morte. Me parece que tudo isso é um desejo bem profundo de viver como em uma côrte do absolutismo no século 17, ou algo parecido; criticamos muitas vezes a desiguldade de riquezas e trabalhos porque na verdade queríamos ser o senhor que é servido; mais urgente seria acabar com essas ilusões que predizem aquilo, que deve ser alcançado, como um tipo de calmaria e luxo vegetante.

Nossa recusa em viver é que faz nossos trabalhos tornaram-se torturas; como dito, no fim das contas nem sabemos fazer de toda essa negação da vida um niilismo espumando no canto da boca que seria na verdade uma grande vontade de viver, de crer em deus ou qualquer coisa parecida. A cultura do protesto e da recusa passou e teve sua importância, entretanto permaneceu uma caricatura da mesma em formas da indústria cultural que apenas proclamam o elogio do prazer e ainda despido de qualquer fundo de arte. Basta apenas "sair" - essa palavra já é uma aberração em si: sair de si, da própria vida medíocre, do próprio tédio? - a noite em um sábado e verás isso. Festas de boates, show de música sertaneja pop (a música sertaneja em sua versão caipira era justamente um elogio da vida simples e tediosa na roça, e ao contrário, nenhum tipo de elogio ao prazer vazio, da "festa" da cidade grande, e do espáculo da vida etc), o funk carioca (que muita gente hoje comicamente até tenta comparar com o Rock dos anos 60 e 70) ou mesmo os mais variados programas de entretenimento na TV; todos essas formas possuem algo daquela recusa, mas esvaziadas de qualquer verdadeira crítica da cultura, sem uma frase sequer sobre o ser humano, só tornaram-se apenas o passatempo, talvez através de alguma provocação, e nunca se tornarão arte, nem nunca um dia tentaram explodir esse mundo.

Antes que eu me faça mal entendido, o problema não é o prazer ou a festa, o problema está em nossas petrificadas imagens e formas dos mesmos. E o simples atravasar de um enunciado como "hoje é festa, bora beber" só é possível porque nossas noções de prazer e festa já estão em demasia fixadas em determinadas práticas e enunciados; se fossem um prazer inédito e indizível serião já poesia, pois se esforçariam em dizer justamente aquilo que não está fixado. Aquelas práticas e enunciados estão aí, extremamente fáceis de serem apenas aceitos, consumidos, reeditados e reditos, são ainda tão eficcazes que eles nos sugerem um espetáculo da vida, uma alegria, uma suspensão do tempo, uma festa! Mas para aqueles como nós, para quem Le Printemps adorable a perdu son odeur!, esses fixados e revisitados prazeres são falsos, inocentes e ineficazes; nós buscamos doses mais fortes, prazeres ainda desconhecidos, outra temporalidade que supera qualquer sugestiva efemeridade ou a mais artificial dualidade entre tempo do trabalho e o dito tempo livre da festa e do hobby - a busca de uma real e eficaz continuidade!. Eu sonho com o dia que apenas teremos sonhos não apenas sonhados, mas sim transformados em tarefas e planos de ação, que apenas faremos coisas por estarmos possessos por idéias e visões, muito além, muito mais produtivo e prazeroso do quê qualquer trabalho e festa.





Última cena do filme "O Leopardo" - exatamente depois do baile, voltando pra casa.


***


Pra terminar um frisante poema do artilheiro lírico - obrigado Sr. José pelo poema:



La Voix


Mon berceau s'adossait à la bibliothèque,

Babel sombre, où roman, science, fabliau,

Tout, la cendre latine et la poussière grecque,

Se mêlaient. J'était haut comme un in-folio.

Deux voix me parlaient. L'une, insidieuse et ferme,

Disait: «La Terre est un gâteau plein de douceur;

Je puis (et ton plaisir serait alors sans terme!)

Te faire un appétit d'une égale grosseur.»

Et l'autre: «Viens! oh! viens voyager dans les rêves,

Au delà du possible, au delà du connu!»

Et celle-là chantait comme le vent des grèves,

Fantôme vagissant, on ne sait d'où venu,

Qui caresse l'oreille et cependant l'effraie.

Je te répondis: «Oui! douce voix!» C'est d'alors

Que date ce qu'on peut, hélas! nommer ma plaie

Et ma fatalité. Derrière les décors

De l'existence immense, au plus noir de l'abîme,

Je vois distinctement des mondes singuliers,

Et, de ma clairvoyance extatique victime,

Je traîne des serpents qui mordent mes souliers.

Et c'est depuis ce temps que, pareil aux prophètes,

J'aime si tendrement le désert et la mer;

Que je ris dans les deuils et pleure dans les fêtes,

Et trouve un goût suave au vin le plus amer;

Que je prends très souvent les faits pour des mensonges,

Et que, les yeux au ciel, je tombe dans des trous.

Mais la voix me console et dit: «Garde tes songes:

Les sages n'en ont pas d'aussi beaux que les fous!»

C.B.

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