Para o livro do Durval Muniz, que eu não consigo terminar (cada página me é um evento) :
Sempre me assusta que ainda
falemos tão prontamente sobre A Realidade, O Real, A Natureza, A História – que
ainda não tenhamos construído um tempo em que falar de totalizações exija
explicações e pormenores.
No mesmo autor em que se pode ler
sobre a inexistência da verdade objetiva, pode-se ler sobre como O Real (assim,
em maiúsculo mesmo) é o que nos confronta, ou o caótico, o sem sentido, seja o
que for que precisemos ordenar e nos apropriar – humanizar, naturalmente se
acrescenta.
Haveria outra
linguagem que não uma de/sobre/como/para/por particulares? Haveriam outros nomes que não nomes
próprios? Referentes que não sejam absolutamente indiciários?
Como é um real feito, literalmente, de particulares? Ainda mais incisivo: que particulares
você entende ter feito sua totalização? Para quais você a fez? Com que particulares você espera totalizar?
É possível que a confusão que
escolhemos fazer no passado seja entre o referente, como aquilo que confronta a
palavra, e o objeto, como aquilo que o realista sonhava nos apresentar.
Aprendemos desde Kant que o realista era "ingênuo" (o que talvez seja tempo de duvidar), que se esquecia do seu
próprio pensamento. Por alguma razão, desde a virada linguística, passamos a
identificar objeto e referente do discurso, a ver na dissolução do referente
nas malhas da linguagem o mesmo que a dissolução da coisa-em-si na
representação subjetiva. Era chegado o tempo de Russell: nomes próprios são
descrições abreviadas, nada além.
Haveriam outras confusões nesta
rota? Talvez entre perspectiva e interpretação... Que o real seja um entulho de
perspectivas, que o real não seja total, que não seja uma moldura pronta onde se
passam eventos, passamos à afirmação de que não há nada além de interpretações.
Aqui é preciso reafirmar o caráter perspectivo do real, mas objetivo da
perspectiva; ela nunca poderia ser arbitrária (mas exatamente o que quer dizer
arbitrário?).
Que democracia podem os
particulares? Particulares instalados nas maquinarias perspectivísticas de
outros particulares, particulares cooptados e agarrados, aliados e recebidos,
ignorados ou saudados... Que democracia é feita aquém de normatizações e
codificações, ou seja, que democracia é atualizada nas apropriações feitas pelos
particulares de cada norma?
Democracia da reiteração, eu
aposto. As instituições são todas ritmos, são nada mais que rotinas. Mas para
músicas ainda por serem tocadas; o passado impõe conformação, mas o futuro é
múltiplo, ele flerta continuamente com o virtual.
E nem os particulares são
totalizações. São, ao inverso, destotalizações, regresso ao infinito; todo
particular é um sistema às voltas consigo mesmo; e um sistema trágico, que
nunca pode se conformar, que sempre já deixou de fora algum de seus
infinitesimais, alguma de suas micropulsões e que portanto já se instaurou
sobre suas próprias condições de destruição.
Estava preparando uma publicação sobre a ideia de República que talvez se mantenha como um rascunho. Ao ler esse texto apareceu a ideia de responder a questão sobre a democracia dos particulares inventando uma outra etimologia para a palavra “república”; algo em torno da ideia de um “Populusque Romanus” cujo “Senatus” fora abolido (e claro, nada além do P.Q.R. ficara no lugar). Em termos gerais inventaria a seguinte etimologia: “coisa-comum”, isto é, coisas desajustadas de qualquer condição que ultrapasse a mera coisa (contando que o “em-si” também é um desses “além-coisa”). Dessa forma (mas só talvez) poderíamos (certamente: só talvez) aprender algo do inédito ato de abertura republicana.
ResponderExcluirAcima o comentário que eu estava devendo.
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