terça-feira, 10 de setembro de 2013

Sobre particulares e democracia


Para o livro do Durval Muniz, que eu não consigo terminar (cada página me é um evento) :

Sempre me assusta que ainda falemos tão prontamente sobre A Realidade, O Real, A Natureza, A História – que ainda não tenhamos construído um tempo em que falar de totalizações exija explicações e pormenores.

No mesmo autor em que se pode ler sobre a inexistência da verdade objetiva, pode-se ler sobre como O Real (assim, em maiúsculo mesmo) é o que nos confronta, ou o caótico, o sem sentido, seja o que for que precisemos ordenar e nos apropriar – humanizar, naturalmente se acrescenta.

Haveria outra linguagem que não uma de/sobre/como/para/por particulares? Haveriam outros nomes que não nomes próprios? Referentes que não sejam absolutamente indiciários? Como é um real feito, literalmente, de particulares? Ainda mais incisivo: que particulares você entende ter feito sua totalização? Para quais você a fez? Com que particulares você espera totalizar?

É possível que a confusão que escolhemos fazer no passado seja entre o referente, como aquilo que confronta a palavra, e o objeto, como aquilo que o realista sonhava nos apresentar. Aprendemos desde Kant que o realista era "ingênuo" (o que talvez seja tempo de duvidar), que se esquecia do seu próprio pensamento. Por alguma razão, desde a virada linguística, passamos a identificar objeto e referente do discurso, a ver na dissolução do referente nas malhas da linguagem o mesmo que a dissolução da coisa-em-si na representação subjetiva. Era chegado o tempo de Russell: nomes próprios são descrições abreviadas, nada além.

Haveriam outras confusões nesta rota? Talvez entre perspectiva e interpretação... Que o real seja um entulho de perspectivas, que o real não seja total, que não seja uma moldura pronta onde se passam eventos, passamos à afirmação de que não há nada além de interpretações. Aqui é preciso reafirmar o caráter perspectivo do real, mas objetivo da perspectiva; ela nunca poderia ser arbitrária (mas exatamente o que quer dizer arbitrário?).

Que democracia podem os particulares? Particulares instalados nas maquinarias perspectivísticas de outros particulares, particulares cooptados e agarrados, aliados e recebidos, ignorados ou saudados... Que democracia é feita aquém de normatizações e codificações, ou seja, que democracia é atualizada nas apropriações feitas pelos particulares de cada norma?

Democracia da reiteração, eu aposto. As instituições são todas ritmos, são nada mais que rotinas. Mas para músicas ainda por serem tocadas; o passado impõe conformação, mas o futuro é múltiplo, ele flerta continuamente com o virtual.

E nem os particulares são totalizações. São, ao inverso, destotalizações, regresso ao infinito; todo particular é um sistema às voltas consigo mesmo; e um sistema trágico, que nunca pode se conformar, que sempre já deixou de fora algum de seus infinitesimais, alguma de suas micropulsões e que portanto já se instaurou sobre suas próprias condições de destruição.

2 comentários:

  1. Estava preparando uma publicação sobre a ideia de República que talvez se mantenha como um rascunho. Ao ler esse texto apareceu a ideia de responder a questão sobre a democracia dos particulares inventando uma outra etimologia para a palavra “república”; algo em torno da ideia de um “Populusque Romanus” cujo “Senatus” fora abolido (e claro, nada além do P.Q.R. ficara no lugar). Em termos gerais inventaria a seguinte etimologia: “coisa-comum”, isto é, coisas desajustadas de qualquer condição que ultrapasse a mera coisa (contando que o “em-si” também é um desses “além-coisa”). Dessa forma (mas só talvez) poderíamos (certamente: só talvez) aprender algo do inédito ato de abertura republicana.

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  2. Acima o comentário que eu estava devendo.

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