quarta-feira, 16 de outubro de 2013

O conflito está na contemplação (atualizado)

      Conversando o assunto "Black Blocs" com o amigo Josias no Facebook, ele me apontou muito corretamente que nós não sabemos do que falamos quando falamos em conflito. Um dos pressupostos básicos da ontologia, no modo como a entendo, é que todo enunciado implica uma definição de uma situação, e que portanto qualquer gesto enunciativo, por mais banal, forma hipóteses sobre o mundo como um todo. Portanto definir o que é conflito implica definir o que é uma situação conflituosa que implica definir quem está em conflito. E foi isto o que eu tentei fazer aqui. Esta forma de exposição visa facilitar a refutação. Qualquer dos enunciados pode ser atacado com qualquer exemplo ou argumento de qualquer área do saber. Se uma definição ontológica é "sui generis", ou seja, se ela vale pra um pedaço de mundo, mas não serve em outro, então ela está equivocada e precisa de revisão.

1.       Atores são montagens complexas de outros atores
1.1.    Cada montagem é definida por uma série de relações

2.       Atores são centros performáticos de ação
2.1.    “Características” são um efeito das relações

3.       Um ator só possui unidade porque é tratado por outros atores como uma unidade
3.1.    Ator é um conceito funcional: ser é ser-tratado
3.2.    Em geral, um ator percebe outro como um exterior sem interior (uma caixa-preta)
3.2.1. Há desmontagens, caixas-pretas podem ser abertas, como quando elétrons são retirados de alguma molécula, ou quando há cooptação de indivíduos de um grupo político inimigo, ou quando o algodão entra em combustão, etc.; qualquer redução é um caso de desmontagem, mas elas possuem um limite atômico, elas não podem ultrapassar de fato a menor unidade de real, que em verdade é nada além de uma “unidade de devir” (uma entidade atual). Analiticamente, entretanto, o devir pode ser indefinidamente dividido em unidades ainda menores (preensões, ou capturas)

4.       Qualquer montagem é provisória e problemática. Ela só pode se manter enquanto cada ator for capaz de sustentar as demais montagens de que ele próprio é feito
4.1.    Cada série de relações perfaz um sistema de alianças, que inclui tanto quanto exclui, constrói tanto quando destrói – o que fica de fora também determina e é parte de um ator
4.2.    Um ator só pode permanecer estável, só pode durar, enquanto for capaz de impor conformação ao seu sistema de alianças
4.3.    Não há solução nem síntese para o que foi excluído. Ele não pode ser aniquilado de uma vez por todas e eventualmente poderá ser cooptado para uma nova montagem. Um ator é um sistema tênue e instável, pois carrega em si também possibilidades de dissolução

5.       Uma situação é feita de sobreposições e incomunicabilidade, pois cada ator age em seu respectivo passado contemplando expectativas nos outros atores, que por sua vez agem cada um em seus próprios passados.
5.1.    Passado e futuro, não menos que situação e mundo atual, são dêiticos, são conceitos indexais que mudam conforma a perspectiva

6.       Quando dois atores se contemplam há sempre muito mais do que cada um pode contemplar, por três razões:
6.1.    Inacessibilidade do outro, que apenas pode entrar em relação na medida em que é capaz de capturar suas montagens
6.2.    Cada ator é ele próprio montado, ele é também efeito de outros atores, que ele considera funcionalmente. Cada ator estabelece seu sistema de alianças por sobre um fundo de ignorância de seus aliados
6.2.1. Assim qualquer humano é aliado de seus órgãos internos, os quais podem ser eventualmente tratados como um ator unitário (quando por exemplo transplanta-se um órgão, ou se discute sobre ele) ou como um sistema de atores (como o fígado é tratado pelos demais órgãos), mas o fundamental é que a ação é baseada em uma expectativa em relação a cada órgão, e esta ação é levada na mais absoluta ignorância sobre o que se passa “dentro” de cada um. Quando dois políticos estabelecem um acordo, eles não estão interessados no que cada um deles terá que impor a sua “base aliada” para que o acordo se mantenha, o que importa é que ele se mantenha
6.3.    Como cada ator é uma multiplicidade e eles são centros performáticos (são o lugar ao qual se atribui a ação) e não centros de controle (nenhum ator é transparente a si mesmo), é razoável afirmar que a contemplação mútua de dois atores é ela própria também múltipla, ali se encontram não apenas as expectativas mais imediatas de um em relação ao outro, mas também toda a série de alianças que sustém cada um. A contemplação coloca em jogo todas as possibilidades, mesmo aquelas que um ator esperava permanecerem silenciadas e negadas
6.3.1. Qualquer negociação é por definição arriscada, pois pode ser que seu resultado imponha aos atores movimentos disruptivos de sua base aliada, que se libertem possibilidades inauditas, que o próprio ator venha a experimentar uma transformação tão radical que já não possamos identifica-lo posteriormente

7.       O conflito está na contemplação

7.1.    Gostaria de identificar a noção de conflito não com o gesto do confronto, mas com a contemplação de possibilidades contraditórias. Há conflito quando dois ou mais atores se contemplam e buscam, um no outro, alianças que negam em algum grau a estabilidade de cada um
7.1.1. O óbvio exemplo é a contradição entre capital e trabalho. Precisamente porque o ator capitalista se determina através de um sistema de alianças que inclui a propriedade privada dos meios de produção e este sistema inclui os bens de capital (inclui as coisas), que também fazem parte de um outro sistema, o do trabalhador produzindo valor. Trabalhador e capitalista contemplam um no outro, através de um dos termos de aliança – uma coisa – possibilidades que poderiam romper as condições de persistência
7.1.1.1.             As possibilidades de rompimento da estrutura capitalista são possibilidades incrustadas nas próprias coisas
7.1.2. Poderíamos pensar em exemplos menos radicais. Há conflito quando o setor exportador contempla no produtor interno oportunidade para ampliação do lucro e produtor interno contempla no setor exportador fonte de divisas para a ampliação da produtividade. O câmbio é a materialidade do conflito. Há algum conflito também nas funções de nutrição de qualquer animal. Ele contempla no alimento nada além da saciedade, o alimento será destruído em sua forma atual, mas suas peças contemplam no animal novas formas de aliança

7.2.    Nem todo conflito redunda em confronto
7.2.1. Enquanto há contemplação, há sempre convivência de possibilidades contraditórias; e quando houver o confronto efetivo muito disto se tornará impossível
7.2.2. O confronto impõe uma situação irresistível aos atores. Todo ator entra em “economia de guerra” quando se encontra em confronto. O que significa que ele entra em um regime de conformação mais rígido em relação a seus aliados (pode ceder muito menos espaço a cada um). No confronto os atores se solidificam, passam a mover-se com mais dificuldade, mas também tornam-se muito mais custosos e resistentes aos demais atores
7.2.3. A negociação torna-se um processo mais limitado após o confronto, precisamente porque ele impõe na situação um “núcleo duro” que não pode ser negociado sem a eliminação do ator com ele comprometido
7.2.3.1. Dois “predadores dominantes” não podem, após um confronto violento, permanecerem no mesmo espaço sem que um cesse de ser ou predador ou dominante. Uma classe revolucionária não pode permanecer sendo revolucionária após uma revolução frustrada – seu núcleo duro é o que será eliminado (os líderes, os ideais, os objetivos). Poderá haver uma nova classe revolucionária, mas ela será nova, nunca a mesma. Somos nós quem a tratamos como um mesmo (é a relação analítica que estabelecemos com as classes trabalhadoras que nos faz falar em “classe trabalhadora”), mas ela só pode ser o que é entrando em muitas outras relações (cada uma de cada um dos trabalhadores que a compõe, por exemplo), que reduzimos (fazemos caixa-preta) para fazer funcionar a análise

7.3.    O confronto torna a situação muito mais impositiva, mais urgente e irrenunciável; nele os atores experimentam possibilidades de aliança que requerem na situação algo de insuportável (porque contraditório) para outros atores
7.3.1. Porque compromete um ator com um experimento de possibilidades, porque solidifica o ator em um cenário de possibilidades, ele reduz a situação contemplada no conflito
7.3.2. Não se pode aplicar um raciocínio quantitativo, entretanto. O conflito não é mais rico que o confronto:

7.3.2.1. Situação 1: há conflito, mas não confronto. Neste cenário há possibilidades contraditórias dos dois lados, mas como não se busca atualizá-las a situação permanece naquelas em que o confronto é evitado, ou seja, enquanto o confronto for evitado, a situação permanecerá naquelas possibilidades em que isto é possível
7.3.2.2. Situação 2: há confronto. Neste cenário os atores se comprometem com possibilidades contraditórias, que implicam mútua destruição
7.3.2.3. Uma vez que as “possibilidades não contraditórias” são um subconjunto de “todas as possibilidades”, supõe-se corretamente que a situação 1 é mais rica, ou seja, possui mais possibilidades que a situação 2
7.3.2.4. Mas riqueza tem a ver com novidade, com imprevisibilidade, não com quantidade. Seria preciso apelar a um raciocínio probabilístico, que não pode ser aplicado se não for possível quantificar as possibilidades (por exemplo, a cada vez que lançamos um dado há 1 em 6 chances de que que saia o número 4; sem saber o total de combinações possíveis seria matematicamente incorreto falar em probabilidade). Conforme a apropriação que Meillassoux faz do teorema de Cantor, uma “totalidade do pensável é impensável”. Não se pode contar, sem cair em contradição, o conjunto de todas as possibilidades (nem mesmo das não contraditórias) para determinar as probabilidades de cada uma

Post-scriptum metateórico

É central que a concepção de ontologia empregada no texto seja corretamente compreendida, do contrário pode-se tomar este esforço de forma equivocada, como apenas uma definição geral pra ser aplicada em casos particulares, uma espécie de "afiar as ferramentas". Isto não está dito, não me atentei para esta necessidade, que a objeção levantada pelo José F. me chamou a atenção. Na resposta eu disse que "não se trata de conquistar precisão (em sentido epistemológico), mas mobilidade (em sentido especulativo). Trata-se de elaborar conceitos que transitem fluidamente em casos concretos, não definindo-os, mas sendo por eles definidos". Quando falo em ontologia entendo estar falando de definição no sentido clássico de "Sujeito é predicado", e inclusive entendo que a realização da adequação própria à forma enunciado seja a melhor expressão do que se entende por verdade. O que acontece é que não entendo o sentido de "ser" no interior da proposição como uma "posição", mas como uma ação, um processo de conquistar ser: "Sujeito devém predicado". A verdade não é uma adequação a um estado de coisas simplesmente dado, antes de qualquer fazer adequar. O mundo atual é um antes e outro depois da enunciação. Adequação é uma convergência de trajetórias: aquelas do sujeito, aquelas do predicado e aquelas de tudo o mais que envolve a compreensão do enunciado. Isto é fundamental. A estrutura básica da ontologia está mesmo na lógica, a verdade está na proposição, mas a proposição não é o dado, ela precisa ser feita, negociada, aliançada ao real. Pode continuar falando em sujeito e objeto, não tem problema. Apenas os penso como desinteressantes. O que interessa é o que ocorre entre sujeito e objeto, acima, dos lados, o que ambos ignoram, o que os atravessa, o processo mesmo do devir "sujeito-objeto", o que excede, não o que medeia sujeito-objeto. Os dois pólos da relação epistemológica são meramente ilusões objetivas (pra usar uma expressão de Deleuze), coagulações momentâneas do devir.

Post-scriptum teórico:

Acho que Jose F. ofereceu uma excelente indicação para compreendermos o que é, não apenas onde está, o conflito: "Definiria o conflito do ponto de vista histórico como desagregação - a noção de desagregação (pode) configurar cenários adequados ao trato com a específica relação-conflito. Se tais cenários permitirem realizar a desagregação, a desmontagem, da relação-conflito, se tem o confronto como fenômeno. Qual seria a vantagem de se propor uma definição de conflito através da noção de desagregação? Evitaria a fetichização dos atores, um dos riscos (possibilidades) que o conflito porta. O conflito não pertence aos seus atores, mas à desagregação que eles podem oferecer aos sistemas com os quais se relacionam - sejam eles mesmos, sejam os outros, as coisas, etc. O item 6.3 critica explicitamente tal fetichização".
Seria o caso de diferenciar "desagregação" e "desmontagem"? Esta seria minha primeira dúvida. O conflito coloca de forma incisiva as indecisões da relação todo-partes. Entendo que o todo é resultado causal não-linear de suas partes. O que quer dizer: 1) Sem partes não há todo; 2) O todo é autônomo às partes, pois possui uma criatividade e uma ação próprias. Pode-se criticar que pretendo os dois lados da equação (junk vs. gunk; atômico vs. contínuo), que quero manter a harmonia do todo com a interação intempestiva das partes, mas entendo que há uma confusão referente ao conceito de causa quando se opõem todos e partes. Não é preciso que o todo preceda às partes para que ele possua relações autônomas (como qualquer ator), nem é preciso que as partes produzam cada um dos aspectos do todo para que se passa falar em dependência do todo em relação às partes. Basta que se fale em limiares, em concentrações imprevisíveis e históricas de possibilidades. Não podemos saber previamente como vai se comportar o que vamos montar com estas partes. Não por uma falha no nosso conhecimento, mas porque o encontro das partes, a montagem ele mesma, produz resultados imprevisíveis e desconexos no real. Em t1 deparamo-nos com as partes p1, p2, p3, p...(n), em t2 encontramos um todo x. Sempre que as mesmas condições de t1 se derem, encontraremos x? As mesmas condições iniciais produzem o mesmo resultado? Se pudéssemos voltar no tempo a 13 de julho de 1789 (de modo perfeito, cada uma das menores condições do universo inteiro sendo idênticas), no dia seguinte a Bastilha seria necessariamente tomada? Creio que não. E aqui está tanto a não-linearidade do mundo atômico, quanto a continuidade produzida pelas montagens. O mesmo pensamento (a mesma ideia, conceito, o mesmo noema) surge a cada vez de conexões neuroniais muito diferentes, assim como as mesmas conexões neuroniais não redundam necessariamente nos mesmos pensamentos. Não há pensamento sem cérebro, mas o mesmo cérebro, nas mesmas condições iniciais, pode fazer ser muitos pensamentos diferentes. No lugar de procurar um fantasma na máquina, prefiro explicar a autonomia dos pensamentos através da causalidade não-linear, que penso poder ser generalizada na ontologia, mas que é um fenômeno físico.
A desagregação entretanto seria muito mais exigente - o que é excelente, uma vez que se trata de conflitos e confrontos. Ela impõe pensar a base aliada de um ator como um agregado, o que é uma imagem bastante acurada para fazer ver a ignorância que acomete cada ator com respeito às suas dependências do mundo atual. Um agregado é muito menos harmônico que uma montagem, muito mais desacomodado. Não acho que se trate de coisas diferentes, mas de duas formas de acentuar a constituição ontológica dos atores. Uma (a montagem) acentua a ação coerente (que conforma a base) e outra (a agregação) acentua a problematicidade, o fato de que cada uma das partes de um ator é parte e possui partes de outros atores, que também o agregado possui uma base aliada com heterogeneidades outras, as quais também têm que ser negociadas. Não seria interessante diferenciar agregados e montagens previamente aos confrontos atuais, são as situações concretas nas quais se metem os atores que decidem o que ele é predominantemente.

Por fim, então, acrescentaria um novo item:

8. O conflito contemplado é a iminência da desagregação.
     8.1 A desagregação se efetiva no confronto, onde os atores são forçados a jogar suas alianças e a comprometer suas trajetórias históricas constitutivas.

2 comentários:

  1. Entendo a definição de conflito também como um esforço fundamental. Chegando ao fim de mais uma leitura deste seu texto não consigo perceber contradições ou equívocos nos níveis da definição. Na verdade restaram dúvidas, que talvez possam se passar por questionamentos.

    Primeiro: não recorreria a uma definição ontológica da noção de conflito, pois a reconheço como histórica, isto é, formada "essencialmente" por eventos, circunstâncias "sui generis". Não digo que as modalidades se opõe, apenas que abriria mão de outro recursos. Habituamos a chamar as definições históricas de conceitos, quando na verdade propomos apenas noções, aglomerados de conceitos dispostos a se alterarem, tornarem genéricos ou particulares, aparecerem e desaparecerem... A verdade é configuração, do ponto de vista histórico.

    Segundo: não seria o termo contemplação sobrecarregado da noção de intencionalidade? Que termo pode dar conta da definição (configuração) de "ator" do 6.3? Não sei. A intencionalidade inerente ao contemplar parece não fazer justiça às formas de atualidade e de alianças pelas quais as ações dos "atores" são acertadamente apresentadas. Tal colocação não refuta a definição, claro. Apenas fiquei aqui pensando sobre a sobrecarga na ideia de contemplação.

    Ainda: A diferenciação entre conflito e confronto me parece bastante acertada. Conflitos potenciais realizados, não realizados ou quase-realizados nos confrontos. Não?

    Por fim: Definiria o conflito do ponto de vista histórico como desagregação - a noção de desagregação (pode) configurar cenários adequados ao trato com a específica relação-conflito. Se tais cenários permitirem realizar a desagregação, a desmontagem, da relação-conflito, se tem o confronto como fenômeno. Qual seria a vantagem de se propor uma definição de conflito através da noção de desagregação? Evitaria a fetichização dos atores, um dos riscos (possibilidades) que o conflito porta. O conflito não pertence aos seus atores, mas à desagregação que eles podem oferecer aos sistemas com os quais se relacionam - sejam eles mesmos, sejam os outros, as coisas, etc. O item 6.3 critica explicitamente tal fetichização.
    Mas, quem torna os atores relação meios-fins (isto é, ora coisas, ora "sujeitos": os fetichiza)? No caso de algumas ações - como parece ser as dos blocs, certamente não eles mesmos. Afinal, se apresentam (e são apresentados) como pura desagregação. Mas também não são os homens-bombas, mas quem os enviam e quem os recebem.

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  2. Meu caro, primeiramente obrigado pelos comentários. Imaginei um texto mais claro, mas como sempre o resultado tem sua própria autonomia.

    Eu comentar rapidamente (estou no trabalho agora), apenas duas questões.

    Por que definir ontologicamente? Porque a elaboração de um esquema ontológica é uma via possível para extrapolar as configurações concretas. Isto quer dizer produzir novas configurações, induzir novos tipos de experiência. Não se trata de conquistar precisão (em sentido epistemológico), mas mobilidade (em sentido especulativo). Trata-se de elaborar conceitos que transitem fluidamente em casos concretos, não definindo-os, mas sendo por eles definidos. Um esquema ontológica, como o entendo a partir da filosofia do processo, não é uma grade conceitual de onde se pode deduzir os casos concretos, mas um convite à dança, uma insinuação, um mero “apontar” – daí eu insistir muito na ideia de indexicalidade. Então não vejo uma divergência entre o que você apontou e uma definição ontológica, o esquema é propriamente configuração, não só na história, os conceitos da física também são aglomerados históricos, dos quais fazem parte ondas, partículas, sistemas experimentais, cientistas, verbas de governo, poeira cósmica, etc. Definir ontologicamente um conceito de conflito antes de pensar os Blocs como conflitos é um ensaio de configuração conceitual; o definido ontologicamente não entrará na definição histórica como uma ferramenta, ou uma “estante conceitual” pra dar forma ao conflito real; os conceitos são formas sim, isto é o que os permite serem indexais, mas são formas pobres, vazias, que repelem qualquer conteúdo. Não se pode ficar parado nelas; elas desordenam ao configurar, talvez seja isto o que quer dizer experiência, a noção mais importante desta brincadeira ontológica.

    Contemplação é realmente uma palavra muito ruim. Sobretudo porque estou pensando em qualquer ator, incluindo inumanos; tenho em mente sim algo como um visar, que poderia ser entendido como intencionalidade, mas não sei. Lembro de certo dia comentar na aula do Hilan que gostaria de me livrar do conceito de intencionalidade, pois se começarmos com ele iremos em algum ponto fundamentar as relações, alguns dos polos será mais que um relacionado, será um definidor de relações, mas ainda oscilo bastante. Quando o fogo queima o algodão, pra usar um exemplo do Harman, há um visar de todas e cada uma das moléculas do algodão pelo fogo. Há um tratar de tipo caixa-preta aqui, o fogo não quer saber da brancura do algodão, ele apenas o visa como combustível. Estou pensando basicamente que o encontro entre dois atores se dá em um brutal horizonte de ignorância a respeito de sua “base aliada”, da multiplicidade de atores outros (das pequenas moléculas às expectativas econômicas) que precisam se manter conformados para que haja estabilidade. Cada encontro coloca, neste sentido, muitas possibilidades que poderiam desconfigurar este mundo que o ator ignora. O conflito é isto intensificado porque os atores já estão se movimentando em um cenário de possibilidades mutuamente contraditórias, e eles de alguma forma “sabem” disto, daí o recurso à palavra contemplação. Eu poderia dizer também “séries de preensões”, ou algum termo whiteheadiano, mas preferi esta apropriação a fazer alguma torção no esquema de Whiehtead. Ainda preciso pensar, não sei.

    Perfeita a ideia de conflito como desagregação, perceba que eu não defini o que é o conflito, eu falei mais sobre quando há o conflito, sobre onde está o conflito; e aqui acho que você apontou para uma definição ontológica ainda mais acurada, com possibilidade de modalizações (realizados ou não ou quase). À noite volto pra comentar mais.

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