Marx é muito superior a qualquer tipo de teoria
social que elaboramos até agora. Ainda estamos a caminho de levar a
sério a noção de sistema de modo consequente com o impulso
fundamental que animou suas análises.
O sistema – modo abstrato de se referir à
sistematização – é o antídoto mais eficaz a todas as tentativas
de defesa de um sui generis no
real. É também a mais radical concepção da causalidade. Sistema é a
impossibilidade radical de que qualquer entidade escape às suas
condições de determinação (hiper-determinação), uma vez que a
entidade já deveio e já tornou-se aquilo que ela é.
Devir é tomar
ser, e tomar ser é um evento na negociação, a qual antecede o
momento em que algo pára e se estabelece. Quando uma entidade devém
aquilo que ela é, é todo o universo que há para ela o que foi
estabelecido e tornado imóvel: devir é sistematizar-se no
universo. E então com o que
precisa uma entidade negociar seu próprio ser? Com tudo.
Quantitativamente, pois não é possível oferecer a priori
qualquer distinção qualitativa sobre o que pode tomar parte na
negociação. Este é um problema de cada evento, de cada entidade, é
interno ao devir. Também a irrelevância precisa ser afirmada. “Não
receber influência de” quer dizer “afirma-se contra e a despeito
de”, algo tem que ser feito no real para que a irrelevância tome
parte no sistema (nada entra na negociação por inércia).
O sistema em Marx é um evento histórico. Não
qualquer sistema, mas o sistema material histórico. E material é o
título para a experiência de uma alteridade absoluta. Os modos de
(re)produção da vida humana se lhe afiguravam como mais
importantes, mas isto não quer dizer economicismo. Tanto mais porque
nada há de mais “imaterial” que a economia (na medida em que ela
só pode se afirmar se destacada do real, se a salvarmos de qualquer
influência “não-econômica”, se multiplicarmos cláusulas
ceteris paribus).
Não. Sistemas e
modos de produção não são um problema de economia. Caminhar neste
sentido é querer ancorar a sistematização em algum tipo de
determinação fundante. É pressupor que algo escapa ao devir atual,
e que a estrutura do devir possa ser ela mesma algo além de uma
abstração.
A sistematização é uma categoria de análise e
portanto de de ação política. Ante ela não será
possível afirmar que um conjunto de procedimentos funciona bem, que
os problemas estariam no que lhes escapa (como uma moral que seria
perfeita se todos a seguissem). Não há pontos fora da curva. Aquilo
que afirma também exclui e no que exclui também afirma (como
Foucault nos ensinou). Um sistema empreende, desde uma série de
determinações causais (não-lineares, sempre), tanto o seu dentro
quanto o seu fora, mas no que empreende também instaura suas
condições de destruição. Ele é estável se imóvel, mas a
imobilidade já foi instaurada pelo fato mesmo de que há um fora, de
que há algo irrelevante, de que algo foi excluído. O que não é
outra coisa que dizer que pelas mãos dos oprimidos o devir é feito
histórico (mas oprimido é um lugar).
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