sábado, 14 de dezembro de 2013

Devir é sistematizar-se no universo

Marx é muito superior a qualquer tipo de teoria social que elaboramos até agora. Ainda estamos a caminho de levar a sério a noção de sistema de modo consequente com o impulso fundamental que animou suas análises.

O sistema – modo abstrato de se referir à sistematização – é o antídoto mais eficaz a todas as tentativas de defesa de um sui generis no real. É também a mais radical concepção da causalidade. Sistema é a impossibilidade radical de que qualquer entidade escape às suas condições de determinação (hiper-determinação), uma vez que a entidade já deveio e já tornou-se aquilo que ela é.

Devir é tomar ser, e tomar ser é um evento na negociação, a qual antecede o momento em que algo pára e se estabelece. Quando uma entidade devém aquilo que ela é, é todo o universo que há para ela o que foi estabelecido e tornado imóvel: devir é sistematizar-se no universo. E então com o que precisa uma entidade negociar seu próprio ser? Com tudo. Quantitativamente, pois não é possível oferecer a priori qualquer distinção qualitativa sobre o que pode tomar parte na negociação. Este é um problema de cada evento, de cada entidade, é interno ao devir. Também a irrelevância precisa ser afirmada. “Não receber influência de” quer dizer “afirma-se contra e a despeito de”, algo tem que ser feito no real para que a irrelevância tome parte no sistema (nada entra na negociação por inércia).

O sistema em Marx é um evento histórico. Não qualquer sistema, mas o sistema material histórico. E material é o título para a experiência de uma alteridade absoluta. Os modos de (re)produção da vida humana se lhe afiguravam como mais importantes, mas isto não quer dizer economicismo. Tanto mais porque nada há de mais “imaterial” que a economia (na medida em que ela só pode se afirmar se destacada do real, se a salvarmos de qualquer influência “não-econômica”, se multiplicarmos cláusulas ceteris paribus).

Não. Sistemas e modos de produção não são um problema de economia. Caminhar neste sentido é querer ancorar a sistematização em algum tipo de determinação fundante. É pressupor que algo escapa ao devir atual, e que a estrutura do devir possa ser ela mesma algo além de uma abstração.


A sistematização é uma categoria de análise e portanto de de ação política. Ante ela não será possível afirmar que um conjunto de procedimentos funciona bem, que os problemas estariam no que lhes escapa (como uma moral que seria perfeita se todos a seguissem). Não há pontos fora da curva. Aquilo que afirma também exclui e no que exclui também afirma (como Foucault nos ensinou). Um sistema empreende, desde uma série de determinações causais (não-lineares, sempre), tanto o seu dentro quanto o seu fora, mas no que empreende também instaura suas condições de destruição. Ele é estável se imóvel, mas a imobilidade já foi instaurada pelo fato mesmo de que há um fora, de que há algo irrelevante, de que algo foi excluído. O que não é outra coisa que dizer que pelas mãos dos oprimidos o devir é feito histórico (mas oprimido é um lugar).

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