quarta-feira, 11 de junho de 2014

Meu último sonho: Leitor

Este post me parecia inefavelmente necessário; mas só perpetuará e aumentará meu desespero.

Depois da leitura de um artigo no New York Rewiew of Books de Tim Parks - um cara que escreve uns artigos interessantes sobre leitura e escrita - chamado Reading: The Struggle tive que escrever algo, pois seu desespero enquanto a crescente impossibilidade da leitura nestes tempos acelerados, principalmente de grandes romances,  muito corresponde ao meu; daí fiz a sua reflexão minha (nota: "sua" ou "seu" em português sempre corresponde à terceira pessoa do singular e, diferentemente do confuso uso cotidiano da mesma língua, não deveria ser confudido ou trocado com "tua" ou "teu" - aqui apenas uma tentativa de melhorar e discernir os usos de língua para evitar "mal-entendidos").

Quanto mais rápido tudo fica, mais ferramentas de internet (do tipo read later, evernote, drop box etc), mais catálogos de bibliotecas online - quais eu praticamente diariamente exploro - , quanto mais o Amazon quase todos os livros contemporâneos a venda põe, quanto mais livros são digitalizados, quanto mais eReaders, Pads... quanto mais e mais, quanto mais a técnica computacional aumenta e constantemente se supera, torna-se proporcionalmente mais difícil de ler.

Eu não sou um daqueles saudosistas que acham que tudo do e no passado era melhor; eu pelo contrário sou muito adepto deste nosso tempo. Hoje posso falar a todos instante com meus pais e amigos via Skype, Facebook e WhatsApp; pela internet me torno muito mais atualizados sobre novos lançamentos de livros; posso também ler nybooks.com e outros periódicos de vários países, resolvo minha matrícula de doutorado quase exclusivamente apenas por internet.... Internet gera uma comunicação real, sim bem real, mais real do quê aquela lá fora que vejo pela janela de pessoas com as quais eu sinceramente não quero me comunicar, embora só fazer trocas funcoinais do tipo compra e venda. Internet é o fenômeno ainda mais incompreendido desta geração, e mais sensacional! Ela seria muito mais se não fosse um simples e árduo fato: que aquela comunicação que a internet mais destrói e impossibilita, e talvez a mais absoluta seja, a da leitura.

Hoje em dia quem quer ler J. Joyce, G. Rosa, D. F. Wallace, T. Mann, ou mesmo mestres da curta poesia lírica como Hölderlin, Baudelaire e cia, ou ainda mestres da curta prosa aforística como Schlegel, Nietzsche, Benjamin e outros - principlamente em língua original de cada um destes - sofrerá muito. Até que alguém me prove o contrário, eu acredito que esse mundo - de 10 anos para cá - não é mais feito para leitura como antes. Ou não é mais possível ler, ou ainda temos de reinventar a leitura e em consquência disto a própria literatura - como já dizia Schlegel que a nova grande obra moderna deveria ser algo entre a bíblia e o jornal, ou seja, atemporal e ao mesmo tempo extremamente transitória, uma fixação permanente como leis sagradas e dogmas e ao mesmo tempo registros provisórios de digno devir do "ainda estar pensando sobre", como último e único (sagrado) livro que exige incotáveis repetidas leituras e semi-leituras, "passar de olhos" sobre o texto, e leituras transversais que já determinam a sentença de morte de cada "anti-obra" e já buscam sedentas a próxima leitura.

Enfim, todos os aspectos do livro sagrado e do periódico que Schlegel via (no tempo dele por volta de 1800) sintetizados e realizados na forma do romance moderno; este depois de Joyce, G. Rosa, T. Mann e outros, e por último depois de D. F. Wallace talvez esteja em crise. Eu não sou um daqueles que amam proclamar crises - ainda que aparentemente e ironicamente já estamos em crise desde séculos -, eu preferiria constatar a estabilidade e força da arte escrita; entretanto, uma crise talvez seja um mal necessário para sacudir um determino período da história e o despertar de sua apatia do Stillstand.


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O Fausto não quer mais abandonar seu escritório.






















Tive de traçar planos para ler o Infite Jest do Wallace, cuja a metade ainda não alcancei. Algo não me parece muito certo quando se tem de traçar planos antes de ler um grande romance: se com Infinite Jest já parece difícil, a Divina Comédia ou os epos homéricos em forma não prosaica seriam então impossíveis nos dias de hojes.

Quando eu era criança e jogava video game e não podia ao mesmo tempo ler um livro. Me sinto hoje frequentemente como que se eu estivesse "jogando video game" quando estou diante do computador - ainda que escrevendo esse texto sem forma como forma de resistência.

Uma técnica revolucionária na reeducação para um verdadeira leitura acríbica é a tradução, talvez hoje a melhor e mais eficaz forma de se ler, entretanto a mais árdua e trabalhosa.

Uma grande vantagem do computador diante do medium impresso é a possiblidade de se carregar vários dicionários. Eu, que utilizo vários dicionários, não gostaria de carregar uma pilha de calhamaços. Deste modo, eu deveria fazer de um computador apenas um dicionários digital sem mais alguma outra aplicação - ainda estou tentando...

Será que depois de um doutorado, uma forma de estudos que pressupõe e exige leituras extremamente mecanizadas, utilitaristas, objetivas, será possível se libertar de si mesmo enquanto doutorando e se reinventar enquanto leitor e ao mesmo tempo idealizar um tipo de leitura profissional?  - ciência da leitura.

Sonho com livros e leituras de clássicos, a única, sinceramente, hoje possível, profana salvação do indivíduo.

Todo tipo de entusiasmo pela e através da leitura me parece algo como a experiência de ouvir uma música atonal de Schönberg, que sempre em si mesma se perde, desharmoniza e ainda relutante se reinventa - uma leitura sem centro e sequência que cata textos ou apenas pedaços dos mesmos aqui e ali como aquelas notas.

Creio eu quem hoje em dia se decide pela leitura como modo de vida na verdade escolhe o caminho de uma asquese ainda sem nome da recusa do mundo, uma dura disciplina do desacelerar-se - quase como uma meditação.

Talvez Schlegel tinha razão: a provisória solução são fragmentos, ensaios, rascunhos, teorias e histórias da literatura mundial, um periódico que ser obra de arte e a revolucionária escrita dos cadernos de anotações enquanto anti-publicações, tudo isso enquanto a obra de arte do futuro não surge.

Além do mais, outro tipo de leitura se perde cada vez mais: a da voz, não silenciosa, do Recitar e Declamar - com o desespero e sonho de uma outra leitura optimizada aumenta minha fixação pela página, pelo manuscrito, pela letra, por outro lado proporcionalmente meu interesse por algo não menos sensacional e fascinante, que é a voz, diminui.

Me parece que que não há volta... nunca cometeremos um suicídio digital. Entretanto, muita coisa desparece, nosso comportamento muda, nos aceleremos para coisas falsas e esquecemos de nos desacelerar para tudo aquilo que outrora tanto prezávamos. Este tempo, no qual vivemos, é marailhovoso, ao contrário do que a maioria pensa, precisamos compreendê-lo, dominá-lo e reagir com a mesma força com a qual nossas obras da técnica nos desafiam.

5 comentários:

  1. Curtius,
    Primeiro preciso registrar que esse texto elabora muitas questões entre as quais tenho me ocupado mais recentemente. De maneira geral pensei que o texto encerraria algo de nostálgico, algo de constatação de decadência – coisa que você recusa logo no início – mas que em alguns pontos parece se encaminhar. Mas ao fim não me pareceu mesmo ser o caso. O novo mundo informacional de fato reorganiza nossas formas de experiência, tanto no que se refere às formas de socialização quanto nossa experiência intelectual (e em tanto outros aspectos!). Creio que a demanda atual por uma nova forma de escrita, por um novo modo de leitura, seja apenas mais um aspecto do mundo que nos sobrevém e que, me arrisco nessa, contém uma inédita carga de incompreensão. Nunca compreendemos tão pouco sobre os universos que nos atravessam...
    Parece-me que as radicais transformações pelas quais a literatura passou nos últimos cem anos nada são se comparadas ao ritmo e a natureza das atuais... Isso potencializa o caráter de urgência e o aspecto de desafio impostos a qualquer tentativa em torno da literatura atualmente (o que me pareceu o ponto central de seu ultimo post). E isso não se refere apenas à disponibilidade excessiva de materiais ou a crescente “falta” de tempo, como marcas de nossos dias. Penso que se tratam de formas que, há pouco sonhadas, lentamente ao modo de tentativas, vão se estabelecendo..
    Existe por fim algo que ainda não posso formular. Parece-me que se trata menos de uma descontinuidade em relação à experiência da leitura, em termos extensivos, do que uma incapacidade de sofrermos interferências através das tradicionais formas de arte. Não lemos menos, sem dúvida. Talvez hoje nos apropriemos mais da literatura do que antes, quando ela mais se apropriava de nós...

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  2. em outros termos: queria dizer que concordo com o diagnóstico, mas não sei se é adequada a causalidade entre a abertura dos atuais mundos da informação e a quebra da experiência da leitura. parece que a "crise" que você acertadamente diagnostica se relaciona mais à desorganização da experiência artística tradicional - em favor de uma "descarga" dessa energia em outros aspectos da vida (na política, por exemplo) - do que à estrutura da leitura em si...

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  3. na verdade não sei ainda...preciso pensar sobre isso...

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  4. Eu ainda não sei também, não tenho uma resposta definitiva ainda. Meu texto queria ser muito mais expressivo no sentido de como alguns fenômenos se entrecruzam na atual experiência da leitura de tal forma que algo parece estar deslocado: a própria leitura e nosso comportamento de leitor ou a situação medial sob a qual a própria literatura se encontra.

    Eu confesso que comecei tomando partido do Parks e do autor americano contemporâneo que ele cita (Joseph Roth), entretanto, escrevendo minha posição foi mudando. Mas também confesso que às vezes tendo para o saudosismo, pois este é propaga um discurso que é muito forte, sustentado pela continuição de séculos da mesma experiência, mas eu acho que esse tipo de queixa é coisa para esses caras de 50 anos ou mais, como os dois autores acima, não para nós.

    No fim eu pensei, eu penso ainda, que a reclamação é legítima e em certo ponto improdutiva. O melhor caminho é estudar a mudança, constatar que algo foi deslocado, mas tudo isso para se apropriar do futuro.

    Enfim, em breve seguem outras reflexões sobre o mesmo tema.

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  5. Vejo que há contraditoriamente um aumento do público leitor, mas uma diminuição dos leitores de obras de fôlego e que requer maior tempo de reflexão, degustação, seja racional, epistemológica ou estética. As pessoas leem mais textos sobre fofocas, literaturas superficiais e resumos jornalísticos e deixam para trás obras canônicas da tradição literária, filosófica e mesmo acadêmica como Shakespeare, Gadamer, Nietzsche ou Guimarães Rosa.

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